Paul Gauguin nasceu em Paris em 7 de junho de 1848. Seu pai, Clovis, era um republicano radical. A mãe, Aline, também tinha sangue de rebeldes radicais nas veias: era filha da feminista e socialista peruana Flora Tristão. Paul veio ao mundo num ano de grandes agitações políticas, que culminaram com a abdicação de Luís Filipe e a consequente proclamação da República. Mas, em 1851, com o golpe de Estado de Napoleão III, que pretendia a restauração do Império, Clovis decidiu abandonar o país, partindo com a mulher e dois filhos para o Peru.
Durante a viagem, o pai de Gauguin morreu após sofrer um ataque cardíaco. Aline, Paul e Marie – a outra filha do casal – chegaram a Lima, onde se instalaram na casa de um tio-avô. Quatro anos mais tarde, falecia na França o avô paterno de Paul. E a família voltou para receber a herança. Foram para Orleans.
Provinciana e burguesa, Orleans representava um deprimente contraste com o colorido e subtropical Peru. Paul detestava a cidade. Ali iniciou sua escolarização. Foi no liceu de Orleans que aprendeu, segundo afirmaria mais tarde, “a odiar a hipocrisia, as falsas virtudes, a delação”. Foi também no liceu que se percebeu diferente dos companheiros. Tinha um espírito rebelde, fugidio, isolando-se solitário em seu mutismo.
Quando contava 17 anos, fez o que milhares de jovens intrépidos fizeram antes dele: foi viver no mar. Trabalhou durante três anos num navio mercante e, quando estava em idade de alistar-se no serviço militar, entrou para a Marinha. Paul foi dispensado do serviço militar em 1871, e parecia ter adquirido no mar o gosto pela aventura. No entanto, estava com 23 anos, e entendia que era o momento para um jovem de família respeitável estabelecer-se na sociedade. Antes de falecer, Aline, providenciara para que o rico banqueiro Gustave Arosa fosse o tutor de Paul. Arosa acionou seus contados e lhe conseguiu emprego no mercado de ações de Paris.
Das finanças à pintura
A função de Gauguin como funcionário da Bolsa era bem remunerada e lhe proporcionava muitas oportunidades para especular no mercado financeiro e obter bons lucros. Um futuro próspero lhe parecia assegurado. Em 1873, casou-se com uma jovem dinamarquesa, Mette Sophie Gad, e se transferiram de seu belo apartamento na cidade para uma ampla casa nos arredores de Paris, ao mesmo tempo que Mette se encarregava das futuras gerações dos Gauguin. Em 1883 Paul tinha dinheiro, reputação no mundo dos negócios, uma casa confortável e cinco filhos.
Mas se entusiasmava com um hobby: a pintura. O interesse pela arte tinha sido estimulado de quadros e cuja casa era frequentada por pintores famosos da época. Gauguin também foi encorajado pela filha pintora de Arosa, e, em 1874, recebeu aulas do impressionista Camille Pisarro – uma figura que o fascinou. Mas sempre foi, em essência, um auditada.
Gauguin entrou em contato com os líderes do Impressionismo na casa de Arosa e nos meios artísticos que frequentava, chegando mesmo a comprar algumas de suas obras. Juntou-se ao grupo e, a partir de 1880 – e por três anos consecutivos – expôs seus próprios trabalhos no Salão dos Impressionistas. Seus quadros agradavam e vendiam bem. Gauguin deve ter brincado por algum tempo com a ideia de profissionalizar. Mas em 1882 um estouro na Bolsa o fez abandonar tais planos. Em 1883, confiando na sua capacidade de sustentar a família com sua arte. Gauguin pediu demissão do emprego.
Infelizmente, o clima da falência no mercado financeiro se refletiu no mercado de arte com o mesmo impacto. Em 1884 as economias de Gauguin se acabaram, e era raro vender um quadro. Apesar da mudança de Paris para Rouen, na Normandia, ter diminuído consideravelmente suas despesas, a família estava quase à beira da ruína. Mette agora tentava se impor. Durante um ano inteiro Paul tinha trabalhando como pintor. E fracassara. Mete insistia, então, para que se transferisse para a Dinamarca.
O abandono da família
A mudança, porém, não teve êxito. Apesar de ter encontrado emprego como representante de venda de um fabricante de encerados, Gauguin não se adaptou ao trabalho. Além disso, seu envolvimento com a arte adquiria intensidade cada vez maior. Mas os dinamarqueses não aceitaram as extravagâncias de sua arte. E Gauguin, por sua vez, não se adaptava aos rígidos hábitos luteranos do país. Só havia uma solução: voltar. Em 1885 partiu para Paris. Com ele, apenas Clovis – o filho mais velho.
O ano seguinte foi ainda pior. No inverno de 1885-86, ele e o pequeno Clovis estavam condenados a viver num quarto miserável. Em junho, já sozinho, transferiu-se para Pont-Aven, na Bretanha, onde encontrou moradia barata e a companhia de artistas. Mas o sucesso financeiro não era proporcional à crescente autoconfiança em seu trabalho. De volta a Paris em fins de 1886, quase morreu de fome. No ano seguinte decidiu viver no Panamá. Conseguiu dinheiro para a passagem, mas a aventura se traduziu no trabalho pesado com pá e picareta na construção do canal do Panamá. Após algumas semanas abandonou o país e aventurou-se pela Martinica. Quatro meses depois, doente e na miséria, retornava à Bretanha.
Arles, Bretanha, Taiti
Aos 40 anos, Gauguin começava a ser reconhecido como grande pintor. Iniciava-se um período vital para sua arte. Mas os invernos na Bretanha o deprimiam profundamente. Em outubro de 1888, aceitou o convite de Van Gogh, que conhecera em Paris, para fundar com ele uma colônia de artistas em Arles, no sul da França. Ficou lá apenas dois meses, partindo depois que Van Gogh, num de seus famosos acessos de loucura, o ameaçou com uma navalha. Nada mais havia a fazer, a não ser voltar de novo para Paris.
Durante os anos seguintes, viveria entre Paris e a Bretanha, produzindo algumas de suas melhores obras. Sua fama entre os contemporâneos crescia. Mas as condições financeiras ainda eram péssimas, e nunca abandonou o desejo de voltar aos trópicos. Instalou-se, então, em outra colônia francesa – o Taiti -, partindo de Marselha em abril de 1891.
Num primeiro momento, o Taiti não era o que ele esperava. Em Papeete, a capital, foi recepcionado pelo governador e conseguiu uma audiência com o rei Pomaré V. Pensava em receber encomendas do governo. Pomaré V, no entretanto, morreu horas antes de se entrevistar com Gauguin. Ao mesmo tempo, desencantava-se com a cidade: “Era a Europa novamente, com tudo aquilo com que eu pensava ter rompido”.
Foi na aldeia de Mataica que Gauguin encontrou a paz desejada. Compartilhava uma cabana com uma bela jovem taitiana, de nome Teha’amanta. Mas, mesmo no paraíso, não podia viver sem preocupações de ordem material. Sem habilidade para pescar e plantar, Gauguin dependia dos enlatados caros que vinham da Europa. Pintava incansavelmente e teria ficado ali para sempre, se não fosse a doença e a falta de dinheiro. Em 1893, fez um apelo ao governador para que o enviasse de volta à França.
Foi um retorno humilhante. Apesar de tudo, conseguiu uma exposição. Muito embora as venda tivessem sido fracas, Gauguin subitamente se viu como o centro das atenções do mundo artísitco. E, enfim, uma boa notícia em sua vida financeira: a herança deixada por um tio de Orleans. Instalado agora num estúdio em Montparnasse, organizou uma exposição. Mas o público e a crítica rejeitaram o mundo colorido trazido pelo pintor. Decidido a voltar para o Taiti, deixou para sempre a França em 1895.
De volta ao Taiti
Os últimos oito anos da vida de Gauguin foram os mais bem-sucedidos em termos artísticos. Ma ele era um homem infeliz. Quase sempre sem dinheiro, não podia tratar de sua saúde debilitada pela sífilis. Em 1897, chegou a tentar o suicídio. Desgostoso com o governo colonial e seus reflexos negativos sobre o povo taitiano, Gauguin começou a escrever contundentes artigos para um jornal local. Em 1901 abandonou o Taiti, viajando cerca de 13 km até as ilhas Marquesas, também colônia francesa na Polinésia . Em Atuona, a capital, construiu “A Casa do Prazer” – como ele mesmo denominou seu ateliê-residência. Vinha recebendo regularmente dinheiro de Paris, enviado por administradores e trabalhava com vigor e alegria. Mas ainda fazia inimigos. Prosseguia nas críticas à administração colonial e havia declarado guerra à Igreja Católica.
E, em 1903, as autoridades revidaram. Gauguin foi condenado a três meses de prisão por difamação. Mas não houve tempo para cumprir toda a pena. No dia 8 de maio do mesmo ano, Gauguin falecia em sua cela, aos 54 anos. O bispo local deixou um testemunho pouco caridoso: “O único fato relevante aqui foi a morte repentina de um indivíduo chamado Gauguin, artista conhecido, porém inimigo de Deus”. A posteridade lhe reservaria um veredicto bem diferente.