Não se sabe exatamente quando Ticiano Vecellio nasceu na pequena cidade e Pieve di Cadore então pertencente à República Veneziana. No fim da carreira, o próprio pintor costumava aumentar a idade, talvez para persuadir os clientes a pagaram-lhe não só mais como com maior pontualidade por seu trabalho; assim, uma carta a Filipe II da Espanha sugere que teria nascido em 1476 ou 1477.
Por outro lado desejando provavelmente atribuir-lhe precocidade, alguns admiradores e biógrafos situam seu nascimento por volta de 1490. à luz de sua carreira parece mais razoável admitir uma data intermediária, localizada em torno de 1485.
A vocação de Ticiano despertou na infância e de forma tão inequívoca que seu pai, o respeitado funcionário Gregorio, decidiu encaminhá-lo logo a um mestre. Acompanhado pelo irmão Francesco, em cerca de 1495, o menino rumou para Veneza, onde se pôs a estudar com o mosaicista Sebastiano Zuccato. Três anos depois, transferiu-se para a oficina de Gentile Bellini, mas não demorou a deixar o mestre, por julgá-lo ultrapassado. Gentile declarou-se aliviado com a partida daquele “fedelho pertinente”, ao qual aconselhou “mudar de vocação”.
Ticiano felizmente não seguiu o conselho. Mal virou as costas, procurou os ensinamentos de Giovani Bellini, irmão de Gentile. Foi a melhor escolha que poderia ter feito: Giovanni era um dos mais destacados pintores italianos e o principal mestre de sua geração. Dominando com perfeição a técnica do óleo, elaborava Madonas sem paralelo entre os venezianos, belas cenas religiosas e mitológicas, e sensíveis retratos, geralmente com paisagem ao fundo.
Ricos Clientes
Nessa época Veneza era uma república independente, dona de várias possessões na península italiana e no Mediterrâneo. O comércio constituía sua maior fonte de riqueza, atraindo mercadores de boa parte do mundo; entre eles havia numerosos alemães, cujo entreposto, o Fondaco dei Tedeschi, erguia-se à margem do Grande Canal. Em 1508, os alemães resolveram decorar as paredes externas do edifício e encomendaram o trabalho de Giorgione, pintor de cerca de 30 anos, que tinha siso discípulo de Giovanni Bellini.
Embora o nome de Ticiano não conste nos documentos referentes à encomenda, tem-se por certo que elaborou os afrescos da fachada posterior do prédio. Segundo o historiador de arte Giorgio Vasari, muita gente atribuía a obra de Ticiano a Giorgione, elogiando este último por haver aprimorado o estilo. Os afrescos do Fondaco dei Tedeschi sucumbiram à umidade, mas a associação entre os dois artistas estendeu-se a outras encomendas.
Quando Giorgione morreu, em 1510, Ticiano era já um pintor de prestígio e contava com rica clientela, formada basicamente de instituições religiosas e poderosos locais. Sua fama não tardou a chegar aos ouvidos do Papa Leão X, que, em 1513, convidou-o a visitar Roma. Era uma oportunidade de ouro para trabalhar para o Vaticano, mas o pintor rejeitou-a: não queria deixar Veneza. O fato contribuiu para aumentar-lhe ainda mais seu prestígio.
Após a morte de Giovanni Bellini, em 1516, Ticiano sucedeu o mestre no posto de pintor oficial da República. No mesmo ano, recebeu a encomenda para pintar A Assunção de Nossa Senhora para o altar-mor da Igreja de Santa Maria dei Frari. Logo em seguida, Alfonso d’Este, Duque de Ferrara, convidou-o a conhecer sua corte, e, dessa vez Ticiano aceitou o convite. Além de apresentar Ticiano aos governantes de Mântua e Urbino, Alfonso encomendou uma série de cenas mitológicas para decorar seu novo gabinete.
Ticiano trabalhava com uma lentidão exasperante e, quando o duque lhe cobrava as obras, respondia com uma displicência que provocava no cliente verdadeiros acessos de ira. Ao pensar, porém que Leonardo falecera em 1519, Rafael morrera no ano seguinte e Michelangelo dedicava-se quase exclusivamente à escultura e à arquitetura, Alfonso dominava a raiva: se desejava os serviços do principal pintor italiano precisava exercitar-se na virtude da paciência e esperar tanto quanto qualquer outro cliente menos importante.
O Imperador como melhor amigo
Não foi apenas o talento artístico de Ticiano que o ajudou a transpor o abismo social existente entre pintor e governante. Testemunhos da época asseguram que, embora, não tivesse recebido uma educação esmerada, ele era uma homem extremamente interessante, sabia conversar tinha senso de humor e por toda parte despertava simpatia e admiração.
Em 1532, o Duque Federico II Gonzaga, sobrinho de Alfonso d’Este, implorou a Ticiano que fosse visitá-lo em Mântua. Em 1545, quando finalmente decidiu conhecer Roma, a convite do Papa Paulo III, o artista deteve-se em Pesaro, onde foi recebido com honras principescas pelo Duque Guidobaldo della Rovere, que ainda lhe forneceu uma escolta para acompanhá-lo no resto da viagem. Conta-se que Ticiano fez uma entrada triunfal em Roma, sendo recebido pessoalmente pelo papa, que em vão tentou retê-lo no Vaticano para sempre.
Nem a admiração do papa, nem o assédio dos duques poderiam prestigiar mais o artista do que a amizade que lhe dedicou Carlos V, rei da Espanha e chefe do Sacro Império Romano Germânico. A apresentação foi promovida por Federico Gonzaga, em Bolonha em 1529, nessa ocasião, o imperador incumbiu Ticiano de pintar-lhe o retrato pelo qual, dizia-se pagou-lhe apenas uma moeda de ouro, tendo Gonzaga de desembolsar as 149 restantes para completar o preço combinado.
Três anos depois, o pintor voltou a encontrar Carlos V, novamente em Bolonha. Dessa vez copiou um retrato do imperador elaborado pelo austríaco Jakob Seisenegger, superando de tal modo o original que em 1533, tornou-se retratista oficial de Carlos V. Além de louvar-lhe o talento, o monarca conferiu-lhe vários títulos de nobreza, que incluíam o livre ingresso na corte.
Por duas vezes, em 1548 e em 1550, Ticiano cruzou os Alpes para passar em Augsburgo os meses mais atarefados de sua vida, durante os quais pintou retratos de Carlos V, da família imperial, dos cortesãos.
Quando abdicou, em 1555, Carlos V recolheu-se ao Mosteiro de Yuste, na Espanha, levando consigo várias obras de Ticiano. Seu filho Filipe II sucedeu-o não só no trono espanhol, mas também liderou a poderosa clientela do pintor. Mais que retratos, porém, encomendou-lhe cenas mitológicas, cujo conteúdo erótico condiz pouco com o espírito austero do soberano e o clima frio da Contra-Reforma.
Preocupação financeira
As lamentações financeiras de Ticiano deviam-se a sua excessiva preocupação com o futuro dos filhos Pomponio, Orazio e Lavinia, órfãos de mãe desde 1530. Tal preocupação parece ter aflorado depois que as crianças cresceram e o pintor já não podia contar com a colaboração da cunhada, falecida em 1550. Orazio revelou-se um bom rapaz: ajudava o pai na oficina e possuía talento para a pintura. Lavinia também cumpria a contento seu papel e colaborou com Ticiano várias vezes, posando para uma série de quadros. Pomponio, contudo, levava uma vida dissipada, gastando muito dinheiro e pondo em risco o patrimônio familiar e a segurança financeira dos irmãos.
Últimos anos
Com sua vista enfraquecida e sua mão que começava a perder o controle sobre o pincel. Sua oficina, conduzida por Orazio, era a principal responsável pela execução da maior parte do trabalho, incumbindo o mestre apenas da concepção e dos retoques finais. As obras, no entanto, eram aceitas como suas e não havia muitas reclamações.
Apesar de sua pequena participação nos trabalhos e da presença de novos grandes pintores, como Jacopo Tintoretto e Paolo Veronese, Ticiano ainda era o pintor mais requisitado de Veneza, e nessa posição privilegiada manteve-se até o fim.
Quando morreu, vitima da peste, em 27 de agosto de 1576, os pintores venezianos planejaram prestar-lhe uma grande homenagem, mas a peste impediu tal cerimônia. Tudo que se pôde fazer foi dobrar os sinos enquanto um cortejo de gôndolas embandeiradas de negro transportava o corpo do velho mestre até a Igreja de Santa Maria dei Frari, onde foi enterrado.