Este pequeno quadro de Giorgione é um dos tesouros da Academia de Veneza, e uma obra rara deste jovem gênio. Poucos trabalhos de Giorgione podem ser com certeza atribuídos a ele.
Ele morreu aos 32 anos, abatido pela peste negra, que costumava devastar Veneza no verão. Se tivesse vivido mais, poderia ter sido um dos gigantes da arte ocidental, como Ticiano. Era alguns anos mais velho que Ticiano, e os dois colaboraram em muitos projetos.
Este quadro é excepcional para a sua época, por ser basicamente uma paisagem – na verdade, é a semente da qual irá brotar a tradição da pintura paisagística dos séculos 17 e 18. Além de ser um objeto de grande prazer visual, essa pintura também tem a fama de ter um significado misterioso. Muitos estudiosos já apresentaram teorias e ideias sobre quem são as figuras representadas e qual pode ser o seu significado, mas o mistério nunca foi esclarecido. E é provável que nunca seja – felizmente, pois ambiguidade e mistério são qualidades fundamentais da grande arte.
Os progressos científicos vêm produzindo muitas técnicas para o exame das obras de arte. Um exemplo é a análise da tinta: muitos pigmentos só foram introduzidos no século 19, de modo que se aparecem numa pintura que se afirma datar de uma época anterior, é obvio que falta uma explicação para o fato. A fotografia em raios X é uma maneira de ver, sob a superfície do quadro, as etapas preliminares do trabalho. Porém, embora a análise científica possa revelar etapas ocultas, ela nunca pode desvendar um significado misterioso. Tais conclusões são tarefa de especialistas.
As pinturas de Giorgione costumam ser em pequena escala, com um ar poético e cores ricas e melancólicas. É provável que seus patronos tenham sido colecionadores eruditos, que compartilhavam os interesses intelectuais do artista.
Qual é o significado desta cidade estranhamente deserta? O único ocupante da cidade é a cegonha branca empoleirada num telhado, à direita do quadro. Como as figuras no primeiro plano, ela também parece não se importar com a tempestade que se aproxima. A cegonha é um símbolo cristão da castidade, pureza e vigilância. Sua presença reforça a ideia de que essa pintura tem, de fato, uma mensagem oculta. Por que iria Giorgione incluir este detalhe se ele não fosse significativo?
O jovem à esquerda costuma ser considerado um soldado ou um pastor, embora não leve armas nem haja carneiros por perto. O dever que essas duas profissões tão diferentes têm em comum é o de montar guarda. Será que esse homem, cuja força se reflete nos pilares logo atrás, está de sentinela para a mulher e a criança?
O jovem leva um bastão que pode ser um cajado de peregrino, reforçando a ideia de que está em viagem com sua esposa e filho – talvez Maria e José descansando em sua fuga para o Egito?
Fotos em raios X revelaram que sob a imagem de homem há uma mulher nua tomando banho. Num certo ponto do trabalho Giorgione mudou de ideia quanto à composição e pintou outra figura sobre a primeira. Será que este fato influi na nossa interpretação do tema? Se trata da mesma mulher, então a sua nudez poder ser explicada pelo fato de que Giorgione a mostra depois da sua toalete.
Uma coluna quebrada é um símbolo tradicional de força. Por que quebrada? A referência é a Sansão, a personificação da força física, que depois de ter sido cegado, vingou-se dos filisteus destruindo o templo onde estavam, matando centenas deles e a si mesmo também.
Uma antiga descrição desta pintura documentava a cena como “uma pequena paisagem com um soldado e uma cigana”. Não sabemos se ela é uma cigana ou, como acreditam muitos estudiosos, a Virgem Maria, mas seu olhar direto, tão incomum, é um dos aspectos mais intrigantes desta bela obra.
A mulher tem um pano branco sobre os ombros. O branco é a cor da pureza, o que pode ser significativo, mas aqui ele tem o objetivo técnico de levar o olhar do observador da mulher para o homem que veste uma camisa branca.
Um relâmpago, que dá o título ao quadro, ilumina a cidade deserta ao fundo. O relâmpago, muitas vezes símbolo da ira de Deus, bem pode ser chave para um significado perdido do quadro. Contudo, é o uso inovador da luz e da cor para unificar as imagens díspares da tela que cria a verdadeira magia desta obra.
Uma das interpretações literárias mais influentes deste quadro sugere que esta pintura é uma alegoria pastoral: a tempestade no fundo representa a Fortuna, sempre incerta e imprevisível. O rapaz junto às colunas representa a Fortaleza, e a mulher amamentando o bebê representa a Caridade. Ambos levam uma vida nômade incerta e, como as virtudes da Fortaleza e da Caridade, é bem sabido que são muito sujeitas aos caprichos incertos da Fortuna.
Agora que você sabe mais detalhes sobre esse quadro do artista Giorgione experimente fazer uma releitura dele ou criar uma paisagem com personagens que representem alegorias.
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